domingo, 11 de dezembro de 2011

As Quinas do Advento

   Era um mundo tão real, que a única matéria de sonho eram as pipas conquistadoras de azul, educando os olhos para o alto.  
      O virtual, se existia, não habitava a dimensão delicada do invisível, mas o oco categórico de uma falta. Assim, tudo era também virtual, a começar pela comida no pilão ocioso dos molares. E, no entanto, abundantes, todos eles. Ricos de carinho, de esperanças, de entrega. Doadores universais de beijos, compatíveis com as partes que alcançavam, enlaçadores de joelhos e, se nas pontas dos pés, de cinturas. Um adulto não é senão uma vasta extensão de colo. 
    O próximo estava tão próximo que era possível afagar-lhe os cabelos, dedicar-lhe a atenção dos olhos, conhecê-lo pelo nome e pelo andar.
     — Tia, quando eu crescer, eu quero ser bombeiro! 
     — E eu quero ser um carro. 
    — Um carro? Mas a gente não pode ser uma coisa, meu amor. A gente cresce para ser...pessoa - respondi, atordoada.
   Uma outra menininha, que a tudo ouvia com atenção, disse: "Então eu quero ser a Barbie".
    A Barbie, se não era pessoa, personificava todo o rosa do mundo, a beleza admitida. Os cabelos louros, a pele branca. E era como dizer, de dentro da pele retinta: quando eu crescer, eu quero ser outra. 
     Quem foi que excluíu a menina da vitrine do próprio desejo? 
     Outro eu quisera o mundo para que lhe comportasse. 
      — Tia, se a terra é mesmo redonda, como é que se vive à margem? Margem não é coisa de quina?
      —  ... ... ...
      Voltei mais só de não ter filhos. E mais irmã de meus irmãos.