sexta-feira, 20 de abril de 2012

Bio

Para Ana Karina Bucciarelli
e  para mim, que preciso nascer de novo.


Estou juntando forças. Eu preciso chegar ao caroço da coisa e o caroço requer dureza. Eu preciso aprender a dureza do caroço. É o que guarda o D.N.A. da construção inteira e, portanto, pode reinventá-la a cada vez, da escuridão do chão.


Depois eu nasço. Nascer é' sempre tenro e, por isso, é tão desprotegido o gesto de nascer. Não é à toa que é quase uma expulsão. De bom grado ninguém sai do lugar protegido para o desamparo do seco. Mas é o ciclo e é tudo da Lei. Eu tive a árvore. E voltei ao caroço. Agora é a hora da dureza, do desaconchego (embora o caroço pareça aconchegar a si mesmo). 


Depois eu galho. Depois eu seiva. Depois eu altura, flores amarelas, estrutura frondosa de novo.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Pertencimento

(Texto escrito em 2005)
Sobre as velhas pegadas, novos caminhos.  
O viajante, ao viajar, sente-se em casa.
O movimento é sua cadeira de balanço 
e a confluência entre a meta e a conquista,
o tapete sobre o qual descansa seus sapatos.

Voltar é revisitar a origem do caminho, 
o ponto de partida. Mais do que isso: 
convalidar a escolha de partir. Eis que, regressando, 
já não há nada atrás de si sobre o que voltar-se.
A vida está à frente e no impulso de seus pés.

Homem e sombra coincidem no marco zero da rosa dos rumos.
O passo seguinte assume o risco de uma direção, 
dá-lhe um sentido: o homem ao passo e o passo ao homem.
E porque tudo lhe pareça tão claro 
sobrevêm-lhe imagens de coisas encaixando-se:
sandálias aos pés, chaves a fechaduras (metáfora de preencher e libertar),
peças de um quebra-cabeça atraindo-se como ímãs, 
espelho quebrando-se ao contrário, refazendo-se,
recompondo a integridade do que fragmentado estava.

Aí está: o ser inteiro. Em seu tamanho real, 
é dizer, maior do que muitas coisas, 
menor do que outras tantas, mas, sobretudo, à altura 
de ser a si mesmo e isso ser sua bravura e sua maior fragilidade. 
Pertencer pressupõe a qualidade dos fortes. Precisar é que não. 
Precisar é querer para si, enquanto pertencer 
é querer ser de outrem e aplicar-se, enquanto movimento, 
a uma outra vida. A mão estendida, ao precisar, suplica.
Ao pertencer, desprende-se, oferece de si a sua palma:
entrega-se. O sentimento de pertencer consuma-se 
com esse transbordamento mesmo, e independe (enquanto realidade) 
da recepção do outro.  Se sinto-me tua e o digo 
é por fidelidade à verdade minha, por retidão 
de restituir a ti o que te pertence e de mim transborda. 
É todo teu. Eu, toda minha. Já não meço forças com a solidão, 
nem pretendo sobre o amor prevalecer. Minha força se distende. 
Assim, o que à força imóvel estava, projeta-se, 
ganha impulso, descomprime-se. Fica-me o coração, assim, 
em pulsante repouso - vivo e em paz.
Ou antes, sereno e em paz porque pulsante e vivo.